Ismael, o portador das notícias

Quando eu era pequena, a gente não tinha telefone em casa. Era caro à beça – pelo menos pras nossas posses. Quando precisava de comunicação, a gente usava o famoso “orelhão”, o telefone público. Celular, lógico, não existia. Afinal, eu ainda sou do tempo que as pessoas mandavam cartas – feitas de próprio punho. (Impressionante essa prática antiga. Lá do mesmo tempo do mimeógrafo, da enceradeira e da máquina de escrever).

Então que comunicação não era coisa desse mundo instantâneo de hoje não. Mas minha família, em especial, contava com um poderoso mecanismo: o mega super hiper blaster Ismael. 

Ismael era um parente da minha mãe que, mais abastado na vida, morava relativamente perto da gente e tcharam: tinha telefone!

Não sei, coitado, se por azar ou sorte – nunca me perguntei se ele gostava desse papel – mas era ele o portador das notícias. Infelizmente, você vai concordar comigo, ninguém liga pra casa do fulano pra avisar o ciclano que o tio vai casar, que a prima engravidou, que alguém comprou uma casa ou mudou de emprego. Ligam pra quê? Pra avisar QUEM MORREU!

Daí que hoje me veio à cabeça a cena: tocava a campainha lá de casa, era ele, pronto, já se sabia que alguém tinha morrido. Era só tentar adivinhar quem. Mas tinha todo um ritual. Não era a notícia pela notícia e pronto. Tinha a parte de recordar do morto e suas histórias. Tinha um lanche. E muita, muita tristeza. E saudade.

Eu nem sei se a memória que eu tenho da figura dele corresponde à verdade porque, pra mim, ele devia ser alto, magro, cor de nada, olhos profundos, terno preto. A cara do próprio anjo da morte. Coitado, que sina a do Ismael. Ele tá vivo? Se não, quem será que avisou da morte dele? 

Morte, coisa que até bom pouco tempo você só sabia que existia nas tragédias, agora invade a sua rotina. Morrendo de idade estão os pais de seus amigos, seus tios, seus avós. Já teve a fase de um monte de “quinze anos”,  a das formaturas, a dos casamentos, a dos chás de bebês. Daqui pra frente netos, acho. Vida seguindo seu ritmo.

Diferença? Hoje em dia tudo chega meteórico, mas paradoxalmente distante. As notícias te acham onde quer que você esteja – mas por vezes vindas com a frieza de quem deseja apenas ser o primeiro a contar a novidade. 

Assunto polêmico mas – até na morte – a vida foi sendo banalizada. 

Kátia Galvão em 50etcetera

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